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Lilia Momplé escreve sobre o título de "Neighbours"


Sempre me impressionou a permanente e trágica ingerência da minoria racista da África do Sul no meu País onde, sobretudo na década de oitenta, incontáveis moçambicanos viram o rumo das suas vidas desviado ou, simplesmente, deixaram de existir, por vontade e por ordem dos defensores do apartheid.


Neste livro, inspirado em factos reais, descrevo o que se passa em Maputo, em três casas diferentes, desde às 19 horas de um dia de maio de 1985 até às 8 horas da manhã seguinte. Preocupei-me não apenas em narrar os acontecimentos dessa longa noite, mas em relacioná-los com as pessoas que vamos encontrando nas três casas. São pessoas comuns que desconhecem tudo sobre as que vivem nas outras casas. Todavia, têm o seu destino fatalmente interligado, mais uma vez, por vontade e por ordem do apartheid que tão bem sabia aproveitar-se das humanas fraquezas, taras, paixões, anseios e inseguranças.

Entretanto, à medida que ia escrevendo o livro, fui-me apercebendo da dificuldade em encontrar-lhe um título que não o limitasse a um simples episódio. Um título que pudesse exprimir a sensação de constante asfixia e extrema vulnerabilidade perante forças tão poderosas e hostis e simultaneamente tão próximas que a sua sanha mortífera se podia abater sobre nós, da forma mais imprevisível e brutal.


Foi então que, um dia, ao apreciar uma exposição da pintora Catarina Temporário, até aí completamente desconhecida para mim, deparei com um quadro que transmitia uma sensação de agressividade difícil de suportar. O título da obra era Neighbours e referia-se à sinistra vizinhança do apartheid.


Soube imediatamente que o título do meu livro só poderia ser Neighbours pois sintetizava tudo o que eu procurava dizer através de muitas palavras.


Felizmente a pintora Catarina Temporário concordou comigo.



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