Bianca Tavolari, professora do Insper, escreve para a 451 como Paolo Gerbaudo analisa a experiência das ocupações coletivas de vias públicas e mostra a vitalidade dos protestos contemporâneos por democracia e justiça redistributiva
Bianca Tavolari resenha o livro Redes e ruas: mídias sociais e ativismo contemporâneo, de Paolo Gerbaudo, em sua coluna "As cidades e as coisas" da edição de março/2022 da 451:
A imagem que conseguimos resgatar do fundo da retina lembra uma praça inteiramente ocupada. Ao centro, um círculo menor é composto de barracas de lona branca e faixas de protesto. Em volta, o círculo maior abarca a área restante da praça, com uma aglomeração tão densa que impede que se veja o chão. O dia 25 de janeiro de 2011 não foi apenas um marco decisivo na história da democracia egípcia, que culminou com a renúncia do então presidente Hosni Mubarak após trinta anos de exercício do poder.
Seguindo os protestos na Tunísia em dezembro de 2010, Cairo passou a ser a segunda estação da onda que caracterizou a Primavera Árabe, com a ocupação da praça Tahrir como símbolo incontestável. Mas também foi uma das revoltas celebradas sob o signo da organização supostamente espontânea via redes sociais, então associadas a uma promessa redentora de conexão vinda das tecnologias contemporâneas, que teriam virado pelo avesso a ação coletiva e marcado 2011 como o ano dos protestos.
A caracterização como uma rede sem centros buscava dar conta dos múltiplos nós de uma teia cuja arquitetura expressa a dispersão e a horizontalidade. Não havia um polo de comando, como anteriormente era possível atribuir a protestos organizados por movimentos sociais, partidos e sindicatos que não se valiam do poder de conexão do Twitter e do Facebook. Para Manuel Castells, os fluxos da sociedade em rede rompiam definitivamente com a lógica do lugar. O espaço físico deixava de ser necessário para potencializar a agregação de causas comuns. Já Michael Hardt e Antonio Negri usaram a imagem do enxame em constante movimento para designar a multidão que pode agir em conjunto sem ser reduzida a uma identidade ou a um território. É especialmente contra essas perspectivas que o italiano Paolo Gerbaudo se volta em Redes e ruas, publicado originalmente em 2012.
Para ele, a aparente horizontalidade espontânea encobre o trabalho pouco visível de lideranças que atuam em nome dos movimentos, ainda que relutem em se identificar como líderes. Revoltas dessa magnitude não acontecem com uma simples virada de chave. Há uma organização subjacente à ação coletiva contemporânea e outras formas de hierarquia que continuam a existir em organizações informais, indicando relações assimétricas entre quem mobiliza e quem é mobilizado, ainda que não haja cargos ou designações formais.
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